4.9.06

"O que eu vi" em Salvador


Era 10 de gosto de 2001, vi Caetano anunciando na Concha Acústica do TCA a morte de Jorge Amado. Era o show do “Noite do Norte” e “leãozinho” entrou no repertório. Mas para meu desespero, o que se ouvia nas ruas era: “toque, toque DJ, toque que isso aí não ta com nada”. Eu dizia: “p... que pariu, com tantos cantores de qualidade nessa terra sou obrigado a ouvir isso”.

O tempo estava frio, do jeito que eu gosto, cheguei na casa dos meus avôs e deixei as malas e fui dar uma volta pela Cidade Baixa. Minha primeira parada foi na casa do meu pai, mas não tinha ninguém.

A chegada foi de surpresa, mas assim que o scénic branco do meu avô foi visto rondando o Jardim Cruzeiro, Uruguai, Massaranduba e Ribeira muitos amigos tiveram a certeza de que eu “estava na área”.

Meu primeiro aniversário aqui em Salvador foi com Paty e Gustavo no Pós-tudo, no Rio Vermelho. Nada de especial, só não queria ficar em casa recebendo telefonemas.

No dia seguinte, ao sair do Status (curso pré-vestibular), vi um prédio tocando fogo e um avião batendo na torre do lado. Fiquei sem entender, não sabia se era ficção, se era filme. Mas não, era o ataque terrorista que marcou a história dos atentados.

Algum tempo depois, o tio da minha avó, (que tinha puxada o facão para mim em 2000), sr. Elias, com 102 anos, desencarnava com falência múltiplas dos órgãos. Não deu trabalho, pelo contrario trabalhou até o final da vida, chegou em casa, passou mal, depois ficou uma semana no hospital e foi embora. Isso fez com que a minha amizade com a prima da minha mãe, filha dele, Evanete aumentasse e muito. A mãe do meu irmão também faleceu, estava com doença de Chagas e não tinha condições de ter um tratamento adequado.

Naquela época, só tinha duas coisas na cabeça, entrar em uma faculdade e ver a mulher que eu amava e que morava em Brasília.

Os curso ainda me dividiam, não sabia o que fazer, até que Paty me aconselhou a fazer jornalismo e estou aqui. Depois que tive o resultado positivo de que tinha passado no terrível vestibular, me preparei para conhecer a capital do país.

Meu namoro com a tal moça não foi muita a frente, pois por mais que gostássemos um do outro, a distancia não ajudaria muito. E desde então não tive mais notícias dela (através dela, mas sei que está bem rsrsrs).

Em 2002, minhas aulas começam, e até então ninguém me deu os parabéns por ter passado em jornalismo, somente minha tia Marlene. Demorei um pouco para pegar o ritmo, pois me sentia meio perdido. E quando chegava em casa, me batia o desespero de ver todo mundo cantando: “então diga que valeu, o nosso amor valeu demais...”. Isso era um castigo, ou melhor, uma tortura para meus ouvidos que estavam acostumados a ouvir somente mpb e pop-rock.

De importante nesse ano, foi ter começado o namoro com minha amiga de infância, Isis. Como amiga era excelente, devo muito á ela, mas como namorada... “Vá ser ciumenta assim no inferno”. Mas eu precisava de uma amiga para me dizer de uma forma carinhosa, se estava certo ou errado, algumas das minhas decisões.

A saúde de Chico Xavier estava cada vez pior, mas ele dizia que só iria embora quando o povo brasileiro estivesse feliz. Cheguei achar que ele não fosse morrer nunca. Mas esse dia chegou, foi a primeira vez que vi a seleção brasileira ganhar uma copa eu estando aqui. Que alegria! Ronaldinho Gaúcho tocando percussão em cima do trio puxado por Ivete. E Chico morreu? Que Chico? Xavier? A humildade dele foi tanta, que ele não quis nem que sua morte chamasse atenção.

E não foi só dessa vez que o Brasil foi alvo de atenção. Quando o nordestino, sem escolaridade (mas com muito estudo), pobre, deficiente físico e o pior de tudo, com Silva no nome foi eleito presidente da república do Brasil, sentir orgulho em ser brasileiro.

2003 começa do mesmo jeito, sem muita preocupação, sem muitas novidades.

A novidade é uma dança que parece que saiu de um quarto de motel, mas dizem que é de Candeias. O “arrocha” é um ritmo sensual, ouvido principalmente nas periferias. Não canta a Bahia como Axé-music, nem como a Bossa Nova. Mas esse fruto de uma exclusão social, virou sucesso. Tanto sucesso que até Ivete “arrochou” no carnaval.

Conheci Mayra Ilnah, uma figura que parece criada para satirizar os problemas e vaidade dos outros aqui na Bahia. Ela é uma mistura de Charles Brown de Snoop, com Mafalda.

No meu primeiro dia de aula com Mayra, tivemos um debate interessante. Era três grupos, um perguntava, outro respondia e o terceiro julgava a resposta de acordo com o código de ética dos jornalistas. Ela me perguntou se eu fosse repórter e descobrisse que meu irmão era chefe do tráfico e sustentasse toda a minha família eu entregaria ao jornal ou não. O código de ética dos jornalistas diz que é para dedurar, mas não conheço nenhum “caguete” vivo. Fabio Caraciolo que estava responsável pelo meu "julgamento" ficou sem palavras e disse: "não tenho nada a dizer".

Com menos de duas semanas de aula, vem o carnaval. E na quarta-feira de cinzas fiquei sem chão ao saber que minha amiga de seresta, Edna, tinha falecido. Edna tinha 44 anos, era como se fosse uma tia. Todo mundo gostava quando estávamos juntos porque era um show diálogos conotativos – putaria, pronto! Mas sem baixar o nível.

Meu mau humor começava a se despertar, pois estava começando a descobrir que estava numa cidadezinha do interior disfarçada de metrópole. A estrutura física até engana, mas a mentalidade da maioria das pessoas é extremamente tacanha.

Minha música predileta passou a ser nada menos que “a luz de Tieta” de Caetano, “todo dia, mesmo dia, vida tão tacanha, nada novo sobre o sol... todo mundo quer saber com quem você se deita, nada pode prosperar”.

Começou a surgir um dos meus primeiro problemas em casa, meu pai não me dizia nada, mas na rua as pessoas diziam para ele que eu era gay. Para um cara que passou 32 anos no corpo de fuzileiro naval, isso era um motivo de preocupação e de vergonha.

Mas eu tinha que descobrir de onde saiu esse boato. Até que descobrir que era um amigo dele que parece uma “nigrinha”, pois para mim, dizia que meu pai era maluco porque namorava muito e eu era “viado” porque só tinha uma namorada.

Aí vi que ele ficava muito num barzinho onde meu pai ficava tomando uma. Um belo dia eu cheguei doido para querer brigar com um e quem me aparece acompanhado de esposa? Hum!

Nesse dia eu estava com o jeito mais delicado do mundo, bem afeminado, esperando uma gracinha da tal “nigrinha”. Quando ele disse: “tem pai que é cego, aqui no bairro está cheio de viado enrustido”. Eu dei risada e respondi, “é melhor ter uma mulher satisfeita do que 10 que não sabe o que é ter orgasmo”. Ele me perguntou, “é comigo que você está falando” e eu respondi: “não! É com a sua mulher, que tem cara de quem até hoje não sabe o que é gozar e o viado aqui está doido pra dá prazer para ela”. Ele ainda achou que eu queria a mulher derrubada dele.

Foi a primeira confusão que me meti, mas eu tenho um 1,90m de altura e tinha 98kgs, era um autentico guarda-roupa, tinha que pensar duas vezes antes de querer me bater.

Conheci Diosmar, Marcio e Joselito, todos do Grupo Cultural Bagunçaço. Sentia-me na obrigação de dá uma pequena atenção ao grupo, pois, eles ajudam crianças carentes e tiram da marginalidade. Era minha ocupação fora da faculdade. Foi Joselito que me apresentou ao embaixador americano, John Danilovith e a Margareth Menezes.

Marlene regressava de Portugal com Vivalda, por motivo de saúde. Conheci meu primo Bruno Peruna e a indesejável voltava a nos visitar, mas dessa vez foi na família do meu pai. Meu tio mais novo, Carlos, nos deixava 40 dias antes do seu irmão mais velho, Epifânio.

Pra ser sincero, não ia muito com a cara deles não, mas ver meu pai inconsolado com as perdas me deixou sem saber o que fazer.

Foi a primeira vez que parei e vi que eu estava envelhecendo e a minha geração começava a ser renovada. Estava deixando de ser sobrinho, para ser tio, pois ainda sentíamos a falta dos que foram, quando no último dia de 2003, Paty anunciava que estava grávida de Laura.

Em 2004 conheci muita gente, a pessoa que mais me marcou foi Anízio Carvalho. Anízio, que foi peça fundamental na minha monografia, é um fotojornalista apaixonado pela profissão e foi ele que me ensinou amar o jornalismo.
A maneira como conheci Anízio foi super interessante, eu faltava muito as aulas e um belo dia cheguei na aula da Ana Cristina e ela me perguntou qual era a minha pauta, eu disse que não tinha escolhido ainda, ela disse que eu tinha até o final da aula para escolher. Foi então que Fabio falou da vontade que tinha em fazer um trabalho sobre fotojornalismo em Salvador e como "quem não tem cão caça com gato"... O problema é que não existia nada falando sobre fotojornalismo em Salvador, só tem Anízio Carvalho para contar a história.

O namoro com Isis acaba. Pois as brigas estavam cada vez mais freqüentes e as diferenças de valores sócio-culturais estavam acabando até mesmo com nossa amizade, além do ciúme.

Mercês veio pela primeira vez no Brasil desde que foi para Portugal. Chegou no dia em que Laura nasceu. Uma dupla surpresa para minha avó Dos Anjos.

Lembro-me que nesse dia, encontrei Cristiane na internet, a achei meio estranha, mas estava tão contente com o nascimento de Laura e a chegada de Mercês que nem perguntei: “tá tudo bem Cris?”.

Alguns dias depois, recebi um e-mail dizendo que o pai dela, sr. Jair, tinha nos deixado. Até hoje eu não me perdôo por isso. Cris sempre esteve presente quando eu precisei dela e na hora que ela precisou de mim, eu nem tive a sensibilidade de perceber.

2005 não começou nada bem, o quadro de saúde de Marlene foi piorando. E mais uma amiga me deixando. Mais uma Edna, Dona Edna. Dona Edna que tomava conta de mim quando eu era pequeno e quem eu comprava acarajé quase sempre que eu chegava da faculdade, tinha me deixado, pois o coração não agüentou uma vida de luta. Ela estava tão contente pois iria receber a sua primeira aposentadoria...

Um belo domingo de sol eu me despeço dos meus avôs como sempre faço, com muita brincadeira. Quando me dirijo para saída da casa, passo pela sala e vejo o irmão do meu avô, Valdomiro, todo de branco, com as penas cruzadas, sorrindo para mim e mandando eu esperar.

Resolvi esperar na casa da Marli, que fica em baixo, com menos de 10 minutos o telefone toca e minha avó desce chorando e eu já sabia o que era. Marlene tinha nos deixado.

Nascer é fácil, saber quem somos e viver sem vaidade é que é complicado. Não me lembro de ter chorado tanto na vida. Não me conformava. Pois habitava naquele corpo um espírito um pouco mais evoluído que se encheu de vaidade e eu, sabendo disso nunca parei para dizer: “Não faça isso não!”.

O cardeal responsável pelo meu nome também deixou o pontificado. E deu lugar a Bento XVI. Tive esperança de ver um João Paulo III. Mas o Cardeal Ratzinger, não tem nem em sonho a cara de bonzinho que Karol Wojtyla tinha.

Ficar em casa se tornou insuportável, pois vi que as pessoas que eu amava, não iam muito com a minha cara, me aturavam porque eu não dava ousadia para falarem de mim. Foi então que eu vi, que o melhor pai do mundo é o meu, pois estava sempre do meu lado.

Juntamente com Ingrid, Carol Loyola e Mayra, fiz um documentário na penitenciária feminina. Esse trabalho ajudou-me a quebrar preconceitos que nem eu sabia que eu tinha, mas graças a deus me vi livre deles.

Nessa brincadeira de não querer ficar em casa, eu pedi a Mayra para entrar no Espiando. Trabalhei um tempo como fotógrafo no site. Foi graças a Mayra que conheci Ana Paula e Ed Bala. E May, sempre me deu as melhores coberturas entre elas a do show de Djavan.
Conheci Mayra Ilnah, uma figura que parece criada para satirizar os problemas e vaidade dos outros aqui na Bahia. Ela é uma mistura de Charles Brown de Snoop, com Mafalda
Tanto Paula quando Ed, me receberam de braços abertos em suas casas. Por um lado, passava (e até hoje passo) os dias com uma figura do outro mundo. E as noites, eu passava com Paula e os pais dela. Não me lembro de um dia, que eu tenha ido para casa de Paula e não ter dado gargalhada, ou com dona Áurea me metendo em “esparros” ou com a impaciência de seu Climério mandando todo mundo da tv pra PQP.

Todos os anos começam sempre atribulados para mim, mas esse - 2006 - foi demais. Desentendi-me com muita gente que eu gosto, fui cruel, fui arrogante, deixei por varias vezes a raiva tomar conta de mim. Desculpas para isso, eu tenho várias, muitas e são boas, mas prefiro dizer que colhi o que plantei. Pois nem todo terreno se planta flores.

Mas a vinda de Mercês amenizou um pouco meu desespero. Na mesma época conheci Zamir (um amigo de Gustavo que estava aqui em Salvador de férias), um cara bastante carismático, de uma sensibilidade incrível. Você não precisa falar com ele, para ele saber o que você tem.

Meu projeto experimental foi reprovado e estou nesse momento fazendo um documentário sobre a vida de Anízio Carvalho. É a única coisa que ainda me prende a Salvador.
Temos a mania de dizer que tal coisa acontece por acaso. Como espírita eu digo que o "acaso" eu não existe. Pois quando o "acaso" para nos acontece, ou melhor, para ele acontecer, vários espíritos sopram sugestões em nossos ouvidos. Pois não foi por acaso que Izabel fez a comunidade da Massaranduba, não foi por acaso que eu sem morar nesse bairro, entrei na comunidade no orkut, não foi por acaso que conheci Iza, não é por acaso que ela está na minha vida, não foi por acaso que nos encontramos ou melhor, nos reencontramos.

Iza é meiga, doce e apaixonante. Mas também é dura, firme e decidida. Era a amiga que estava precisando. O que eu admiro nela, é que o que ela tem para falar, ela fala e na hora, a sinceridade dela as vezes me assusta. Mas ela não faz ideia de quanto ela é importante para mim.

Mas, mesmo Iza insistindo para que eu continue por aqui, no fim deste ano me despeço de Salvador, ainda não sei para onde vou, quero muito ir para Manaus e talvez eu vá. Mas acho que este ano é fim de mais um ciclo e estou me preparando para as mudanças.

Ainda continuo solteiro e agradecendo a deus por ter tudo que quero e tudo que preciso, ou seja, a sua amizade.

Beijos
jp & ea